Elas não caem do céu. Diz um
velho provérbio chinês, «Deus dá nozes, mas não as quebra». Nada que incomode João
Machado Teté. Dos céus, só espera que venha bom clima. Do resto trata ele. Há
37 anos, plantou na herdade Monte da Raposinha, nos arredores de Beja, o seu primeiro
pomar de nogueiras. Hoje tem 14 hectares, cinco mil pés e 25 toneladas de produção
anual, que não chegam para as encomendas.
O seu telefone toca
repetidamente. Ora gente que lhe tenta comprar uma ou outra tonelada de produto
– recebem um invariável não, a produção fica vendida de um ano para o seguinte
–, outros ue procuram aconselhamento para iniciarem a plantação de pomares. Diz
não entender por que motivo o procuram. «Há por aí tantos técnicos e engenheiros,
eu só gosto de fazer bricolagem nos nogueirais», brinca. Parte é verdade, contudo:
a agricultura não é a sua formação. João Teté é um coronel na reserva
apaixonado pelo campo. Foi pela sua mão que o panorama da produção nacional de
noz se começou a inverter. Até há poucos anos, Trás-os-Montes, região de onde é
natural, era a principal produtora.
Hoje é o Alentejo que vai na frente. As
nogueiras requerem terras fundas, ricas e bem drenadas, e o Alentejo tem
caraterísticas específicas associadas ao tempo quente. O coronel fez as suas
experiências. Estava ainda na vida militar ativa quando se iniciou nas lides
agrícolas. Começou por plantar a variedade francesa Franquette, muito apreciada
em todo o mundo. Acabou por reconverter o pomar para as variedades americanas Hartley
e Serr, com porta-enxertos Regia, Nigra, Hinsii e Paradox. «Garantem uma noz de
excelência, de grande qualidade e boa produção.» A variedade perfeita é algo
que ainda não encontrou, mas não desiste. Tanto é que parte do seu pomar está
transformada num laboratório a céu aberto. Por lá se perde diariamente, e
alimenta a esperança de um dos 26 netos lhe seguir as pisadas.
Surge
caramelizada, junto com espinafres, cogumelos, queijo e a massa que dá nome ao
prato. «Um prato de confeção simples, mas sofisticado e muito apreciado», diz o
gerente, José Ribeiro, acrescentando que não são só os vegetarianos que o
pedem.
Ricardo
Santos, chef formador nas escolas de hotelaria de Coimbra e Óbidos e
consultor em diversos restaurantes, diz que, com nozes, a dificuldade é decidir
o que fazer. «São muitas as possibilidades», explica. Exemplifica essa versatilidade
com uma delícia de noz: começa por transformar o miolo em farinha, a que junta
manteiga e ovos; o preparado vai ao forno e está feita a base. Segue-se a
cobertura, açúcar em ponto de caramelo, natas e miolo de noz caramelizado. A
textura fofa do bolo, em contraste com o crocante da cobertura, desperta a gula
à primeira dentada. Não lhe faltam usos no receituário popular, particularmente
em matéria de doçaria. Só no capítulo das compotas, a noz alia-se na perfeição
com abóbora, curgete, goiaba, marmelo, pera, pêssego. E tudo quanto seja sobremesas
com chocolate, banana, café, queijo, requeijão ou doce de ovos tem na noz parelha
mais do que perfeita. Na sua forma mais simples, coberta de mel, é um manjar dos
deuses. Depois, além das virtudes de sabor, há as qualidades nutricionais que
lhe são reconhecidas, nomeadamente a concentração de ácidos gordos essenciais,
como o ómega 3. «A noz contribui com boas gorduras para o aumento do bom
colesterol e redução de doenças cardiovasculares», explica a nutricionista Paula
Beirão Valente, que destaca a
importância das vitaminas do complexo D, do
cálcio e do fósforo, elementos que contribuem para a proteção dos neurónios e
têm um efeito antioxidante. Contudo, deixa um alerta: «Pese ser benéfica, não
deixa de ser uma gordura, pelo que deve ser consumida com moderação.» O que,
com as devidas variações consoante o tipo de dieta, significará algo entre uma
e nove nozes por dia. Segundo um artigo do norte-americano Andrew F. Smith,
escritor/historiador perito em alimentação, a nogueira (Juglans regia) é originária da Ásia Central e alastrou-se, durante o
período pré-histórico, à China Ocidental, Cáucaso, Pérsia e Europa. Era
cultivada pelos povos neolíticos há sete mil anos. A sua produção na bacia do
Mediterrâneo só se alastrou com o domínio romano. Atualmente, entre os maiores
produtores mundiais encontram-se China (cerca de 420 mil toneladas/ano), EUA (300
mil), Irão (150 mil), Turquia (130 mil) e Ucrânia (70 mil). Portugal está longe
desse top, apenas produzindo 4500 toneladas anuais, correspondentes
a apenas 10% do consumo nacional.
Potencial não falta, contudo. Além da sua
propriedade, João Tété gere também uma herdade em Monte do Moncorvo, de proprietários
russos, onde se prepara para plantar 140 hectares de nogueiras. Os primeiros 1800
pés já chegaram. Dos viveiros espanhóis, espera receber mais quatro mil a breve
trecho. O objetivo é plantar 30 mil árvores e, a prazo, criar o seu próprio
viveiro.
O
ciclo do fruto termina por esta altura do ano. As nozes estão agora a ser
colhidas. Após dois a quatro dias de intensa azáfama – entre descasque,
secagem, calibragem e depois a distribuição –, estarão nas bancas de fruta de todo
o país. Nota para quem compra: é certo que os olhos também comem, mas saiba-se que
as nozes branqueadas, embora mais bonitas, têm uma duração muito limitada, entre
dois a três meses. Já aquelas que não levaram qualquer tratamento, e são por
isso mais escuras, podem ser consumidas nos onze meses posteriores à colheita.
É
também por estes dias que arranca «oficialmente» a temporada das nozes. O
pontapé de saída é dado em Arnelas, lugar do concelho de Vila Nova de Gaia que,
nos derradeiros dias de verão – prenúncio para a entrada do outono, com um dos
seus frutos mais apetecidos –, celebra a Feira de São Mateus.
Visitá-la é a
oportunidade para comprar as primeiras nozes da campanha, mas também para
assistir a um ritual secular. Aqui, vendedores e compradores regateiam preços e
estipulam o valor que servirá como indicador para a venda do produto em toda a
região norte. Papas de sarrabulho e vinho doce com nozes saciam os convivas.
Outras
celebrações em torno do fruto se seguem. A de Gondomar, no âmbito das Festas da
Cidade, que duram até 11 de outubro e trazem tasquinhas com pratos ou
sobremesas à base de nozes. E a da aldeia de xisto de Casal de São Simão, em
Figueiró dos Vinhos, onde vinho novo e água-pé fazem companhia ao fruto da
festa. É altura de erguer os copos e brindar à chegada do outono.